Defasagem em matemática afeta até país rico, diz especialista

Luciano Máximo


Na visão de especialistas internacionais e educadores brasileiros reunidos em seminário no Rio de Janeiro, ontem, currículos pedagógicos fragmentados e despreparo de professores são os maiores problemas para o ensino da matemática no Brasil e no mundo. A defasagem no aprendizado da matéria verificada atualmente já é apontada como um obstáculo que respinga no desempenho da economia mundial.

O acadêmico americano William Schmidt, professor do Instituto de Pesquisa em Matemática e Educação Científica da Universidade de Michigan, chama atenção para o fato de que, a despeito do elevado índice de desemprego atual, "dezenas de milhares" de oportunidades de trabalho nos Estados Unidos não são preenchidas por falta de capacitação relacionada ao conhecimento matemático. "As demandas da economia hoje exigem alto conhecimento tecnológico. Nos EUA, por exemplo, não tem gente suficientemente qualificada para preencher vagas disponíveis no mercado de trabalho, tanto para oportunidades de nível superior como de nível médio", relatou Schmidt

O professor de psicologia cognitiva da Universidade de Virginia Daniel Willingham acrescenta que há uma grande corrente de economistas no mundo que relaciona o bom desempenho no ensino da matemática a um mercado de trabalho e a uma economia mais dinâmicos. "Países bem-sucedidos economicamente têm capacidade permanente de inovar, de avançar tecnologicamente. Se não é possível demonstrar concretamente que isso está relacionado com uma boa educação de matemática, posso afirmar que várias opções de carreira se fecham para o indivíduo que tem um baixo conhecimento da matéria", disse Willingham, ilustrando que a evasão universitária no mundo é maior nas áreas de exatas do que na de humanas.

Recente levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta 50% de desistência nas graduações de engenharia do país nos primeiros dois anos de curso. "Isso ocorre porque o estudante sai mal preparado da educação básica e não consegue acompanhar o conteúdo do ensino superior", diz Anderson Stevens Gomes, secretário estadual de Educação de Pernambuco, presente ao seminário "O ensino de matemática nas séries iniciais", promovido pelo Instituto Alfa e Beto.

Em pesquisa sobre o conteúdo dos currículos de matemática envolvendo 50 países - o Brasil não está na lista -, Schmidt verificou que o desempenho na matéria das crianças de ensino fundamental nos cinco melhores e nos cinco piores países não segue uma linha homogênea. "Um país no top 5 pode ter uma ótima performance em geometria, mas uma nota mais baixa em fração. É aí que identificamos problemas curriculares, seja de hierarquia de conteúdo ou de intensidade do que é passado aos alunos ao longo de toda a educação básica. Nos EUA há um aprofundamento em álgebra, mas a aritmética é vista de forma superficial", comentou o acadêmico de Michigan, que defende um currículo matemático mais enxuto e consistente. "Hong Kong tem 79 tópicos de matemática abordados em seu currículo; os EUA, 186." Schmidt questiona também a falta de preparo dos professores para lecionar a disciplina. "Pelo menos dois terços dos professores americanos de matemática não são especialistas na matéria."

"A baixa qualificação dos professores é o que mais influencia os resultados ruins de matemática nas avaliações educacionais", disse João Batista Oliveira, presidente do Alfa e Beto. De acordo com levantamento da entidade, na última Prova Brasil (2009), teste de português e matemática para alunos da quinta e nona séries do fundamental, o desempenho dos estudantes do nono ano ficou estável em relação à edição de 2007, subindo de 241 pontos para 242 pontos. Na avaliação da quinta série o resultado variou de 189 para 199 pontos. "Mais ainda é um dado ruim se compararmos com outros países. No Pisa [avaliação educacional internacional], o Brasil ficou 51 pontos acima do último lugar e 419 pontos abaixo do líder, num ranking de 66 países", disse Oliveira.

Professores presentes ao evento reconheceram a deficiência e cobraram formação continuada para modificar a situação. "Na época do magistério muitas colegas enfrentavam dificuldades de conteúdo, não dominavam conhecimentos básicos de divisão com dois algarismos ou operações com números fracionários", disse Simone Figueiredo Cruz, professora da rede pública de Mato Grosso do Sul. Vera Lúcia Coelho, docente das redes municipal e estadual de Riachão, no interior do Maranhão, acha que "cursos de qualificação para quem não têm o diploma específico é algo essencial."


Fonte: Valor Econômico - 19/08/2011